quarta-feira, 20 de junho de 2012

Meu Meio-Homem


- Vou tomar como elogio.
- Mas era mesmo, sorriu.

Tinha um encanto visível pelos meus defeitos, "Eu gosto assim", dava de ombros. Penso que se deleitava por sermos tão parecidos e sempre tinha a gentileza de fingir que me ouvia. Me entregara demais, envolvida demais... Era tarde e vergonhoso.

Um meio-sorriso qualquer, um meio-abraço acanhado, um meio-elogio grosseiro, uma meia-grosseria carinhosa.
Eu não podia, nem ele, não com ele, por favor.
Ele me pediu uma coisa; uma coisa só e eu a neguei. Me ajudou tanto e eu lhe neguei o único pedido que já me fez: Eu.

Sempre fora um meio-homem, embora eu não tivesse enxergado. Embora por algum tempo tenha sido o que havia de mais completo e real para mim... segurança, proteção, aceitação, isso ele era por inteiro, e só ele.
Era tudo o que eu queria, cá entre meus lápis e papéis, cá entre meus rascunhos noturnos e meus lençóis. Mas era muito, mesmo que pela metade. Proibido...

Foi a primeira vez que não sorriu e era como se a ausência daquele riso apagasse da minha memória todos os anteriores. Até isso fez questão de levar consigo. Atravessara a porta para Nuncamais e eu tive de vê-lo voltar à vida correta, à mulher que o esperava em casa e que não era eu.

Como pôde? Como eu pude?

Bateu a porta e eu tinha razão, nunca mais voltou. Recolheu seu olhar meio sugestivo, seu meio-amor, suas meias-promessas, suas metades e seus hífens indevidos, e se foi.
Foi...
Como se eu não fosse nada além de uma rosa murcha e sem graça.

- Ana é uma flor, ele disse uma vez.
Uma flor solitária e abandonada. Sem nenhum pequeno príncipe.