quarta-feira, 3 de abril de 2013

Fico!

Se tudo era nada antes de você chegar, não entendo bem por que veio. Trouxe de novo as palavras e eu não sei para quê, pelo quê... Por quê? Se já há algum tempo sou só o vazio, de um silêncio frio, de uma dor muda que com dedos funéreos me sufoca e me cala e me dói e me mortifica, devagar e com suavidade. Por que veio, então, se sou só uma sombra da beleza que fui? Se nem eu me lembro mais de um bom motivo para ficar, para continuar sendo, se me reduzi a um monte de questionamentos desvairados, a um medo paralisado..? E, no entanto, continua aqui.
Mesmo agora, quando a volta das palavras que se escondiam faz meu corpo desacostumado reagir... Mesmo agora, dobrada sobre mim, tremendo, vomitando, colocando para fora tudo que calei; tentando sair, eu mesma, de mim...
Mesmo agora te sinto me abraçar por trás, me apertar desesperado como que para impedir que eu me vá, como sabe que tento. Apertando os olhos contra o meu pescoço enquanto eu grito, e grito, e continuo a gritar! E, em meio ao berro ensurdecedor que nem eu mesma sei mais de onde vem, fala comigo. Devagar, com doçura... me mantendo sã enquanto o fim do longo silêncio explode dentro de mim com todo o desespero do não ser. Sussurra que me abriga, que me permite ser você se não consigo mais ser eu. E ser você é tão bom que deixo que me leve... que me leve embora de mim. E no entanto não me lembro de ser tão eu como quando me fez ser você!
Então me afogue dentro de si e não me deixe mais sair... Afogue-me para nunca mais. Arranque-me de mim, como venho tentando há tanto tempo! Me afogue nas palavras que assopra ao meu ouvido, soluçando. Peça que eu fique com você como quando me prende a cintura e se agarra à minha coxa com a urgência do naufrágio..! Peça que eu não vá enquanto me leva e me traz com você... em você... de você...Você...! Peça que eu não vá e, mesmo não sabendo o motivo, eu sei: Fico.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

3

Por três vezes tentei me afogar. Três tentativas desesperadas de que a água que entrava me fizesse transbordar de mim, me livrasse de mim, me libertasse de mim, parasse o que quer que seja que tem feito a maldita voz ecoar mais alto na minha cabeça. Chega de mim para mim. Estou farta de tanto eu, que me ocupa, me desgasta, que não para de pensar nem por um segundo.
Por Deus, alguém me cale! Tirem-me o ar, nem que só por um instante... Deixem-me sem fôlego! Eu quero valer a pena! Façam minguar meus anseios, sumam com a vergonha que tenho de não esquecer (de não te esquecer). Façam com que ele suma. Com que todos sumam. Desapareçam com este escrito e com qualquer outra prova de que não tive sequer a capacidade de me afogar de fato.
Três vezes, todas elas falhas. Fui fraca demais para segurar a respiração até a água entrar; faltou-me a coragem para deixá-la transbordar. Veio só o desespero do emergir, do ar que entra arranhando a garganta ao ponto de sangue. Ao menos assim me calo - se não a cabeça, a boca. Posso fingir, então, que está tudo bem... Camuflar a vergonha e fazer de conta (como eu adoro) que não doeu. Mas doeu, sim, e ainda dói... E continuo em mim, é essa a pior parte. Ainda estou aqui. E não sei como sair.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Laissez Passer

Vou destruir minhas verdades, as inventadas que você tanto odeia. Vou esquecer os risos, os amores não jurados, ficar só com a saudade do que não foi nem poderia ter sido. Nunca pôde. Foi só na fantasia que você existiu e até eu sou irreal. Não existo - é o consolo que a vida me dá nessas histórias. Nada disso é verdade, é tudo invenção minha.

"Você cria umas verdades e começa a acreditar nelas", deixou-se irritar por cima do ombro enquanto me deixava para trás.

Talvez tenha razão: acredito. Acredito em excesso, até. Acredito sem dever acreditar, como acreditei que você daria meia-volta. É que eu tenho essa mania de fingir que sou artista, de fingir que vivo nos meus textos, que os meus personagens são de verdade, que a primeira pessoa sou eu de fato. Acostumei-me a criar sentimentos, escritos ou desenhados. Me acostumei a você.

Perdão, estava mentindo outra vez. Preciso aprender a mudar o ponto de vista, lembrar que a pessoa do discurso não sou eu (nem nunca foi).

Quando se deu conta de que ele não voltaria, bateu a porta. Fez como ele e lhe negou a meia-volta, negou-a a todos. Saiu sem pensar, sem dar a si mesma o direito à dúvida, sem se permitir o tempo dos covardes ou o intervalo no qual eles se formam. Nem mesmo um olhar para trás se permitiu, mais pela vontade de se livrar do peso das memórias que por orgulho. Rumo à ausência da dor e da saudade. Apenas foi. Foi ela, sem ter que se preocupar em ser tudo que já fora um dia. Leveza, mesmo que passageira. A alforria do cativeiro que se impunha. Um, dois, três, quatro, cinco... Andou, andou, e continuou andando... Virando sempre na direção do desconhecido, evitando o familiar, abandonando as memórias. Abandonando-o também, com o perdão da atitude. Com o seu perdão. Abandonando a todos para não sentir as ausências. Fazendo de conta que nunca existiram para que o vazio não fosse sentido. Não fazia sentido. Como se pudesse... Como se pudesse deixar tudo para trás, nunca reviver, nunca relembrar nem pensar em voltar. Como este texto...

Nunca releia, nunca relembre. É seu, para me despedir de você que nunca existiu, para abandonar as fantasias de que me privou. É seu, mas não lembre. Deixe-o passar, deixe-o ir embora... Deixe-o ir como estou fazendo com você.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Semicerrados

Não abro os olhos por completo. Mantenho-os assim, semicerrados, como que para protegê-los do mundo lá fora.
 Como um caminhão pesado em um chão sem asfalto. A poeira subindo e os olhos se fechando, em uma tentativa falha de se resguardarem. Um grão, uma folha, uma pedrinha. Uma criança morrendo. Um velho que vai sem se despedir. Um carro batendo.
E eu? Eu sou sujeito sem verbo. Aquele que vê, sem querer, e a quem cabe o lamento.

O telefone tocou: estava indo embora, já no avião. Disse que voltava logo, mas eu sabia que não. Não quis me ver porque ia doer, mas doeu (em mim). Recebi o adeus com um suspiro e nem pisquei. Enxuguei os olhos e continuei andando, como se nada fosse. Aceitei a dor com naturalidade (foi quando eu soube que tinha perdido). Começava a me acostumar...
 A vida me vencera, afinal.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Pra Mim

Quanto eu vou ter que suar, e tremer, e gelar, para ele entender?
Eu queria saber escrever... Uma poesia assim, de fazer inveja, como as que eu leio e desejo que fossem minhas. Se eu soubesse fazer poesia... Aí, sim! Eu não teria de guardar nada em mim. Não me faltariam as palavras como sempre acontece. Não faltaria a emoção, o sentimento; nada do cansativo explicar minucioso, a poesia é toda intensa e completa, cabe inteira em si mesma. Os versos ficam, as frases se vão. Em vão. O que eu escrevo não adianta, nem pra mim, porque sempre falta o que falar, fica sempre a sensação do inacabado... os meus textos não dizem nada, significam nada, e do peso que eu carrego não me tiram nada também. É só uma tentativa desesperada de diminuir a confusão a ponto de fazê-la caber em uma folha. E nunca cabe. Sou só eu me permitindo ser eu sem que ninguém me veja. Mas se eu fosse poeta seria outra história... ou outra estrofe. A minha poesia lhes tocaria o coração, e eu não teria de jogar fora o tempo tentando pôr em prosa o que só uma boa poesia consegue dizer.

Eu queria que soubesse
(e sabe)
que é por isso
que eu tremo
que eu gelo
e que eu corro
(sem querer)

Do quê? Ainda não sei, eu precisava de uma poesia. Então vou jogando tudo assim, sem sentido, pondo em versos o que não é versável (porque eu nunca soube ser poeta).
E talvez assim, com uma poesia minha, eu consiga... Se eu lhe fizer uma poesia - se eu conseguir fazer uma boa poesia - você volta...? Volta? Você volta... (me faltou a palavra)...

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Bosta de Elefante

Eu não aprendi a falar. Perdão, não aprendi. Quero esclarecer uma coisa: nada do que eu escrevo é sobre amor, nem este texto, nem nenhum dos outros. Não escrevo a dor do amor, a alegria do amor ou o que quer que venha com ele. Odeio a ansiedade de vivê-lo e odeio a mania que as pessoas têm de enxergá-lo em todo canto. Maldita neblina que se apossou da vista de todos, até os textos me roubou. Eu o odeio, o amor. É provável que dizer isso não agrade a vida e eu já estou sinceramente arrependida, mas não sou de mentir, não posso fingir. É fato, eu o odeio. Acabo de descobrir isso e afirmá-lo é como tirar um peso das minhas costas. Vivi até agora suportando sua distante existência, ignorando sua ausência, mas já chega. Talvez seja porque ele deixou que eu me sentisse sozinha, não apareceu ou não foi suficiente, eu continuei só independente dele, mas não importa. Quero ao menos minhas palavras, não peço mais nada. Não preciso de nada além da minha liberdade de escrita, mas acontece que ele distorce tudo que eu rabisco. Ninguém entende o que meus textos dizem e eu não aguento, quero de volta a única coisa sobre a qual eu tenho controle e que o tal amor me roubou, quero minhas palavras, minha liberdade. Eu não sou mais nada. Não aprendi a ser ninguém. Eu sou a menina de cinco anos sentada no banco de trás do carro dos meus pais olhando pela janela, vendo a paisagem passar correndo e ficando enjoada. Ainda sinto a tonteira e o gosto de bílis. Querendo abrir o vidro, sair pela janela, esticar a mão e segurar a paisagem. Fazê-la permanente, fazê-la parar de ir embora, de me deixar sozinha, de me abandonar, eu quero ir com ela. A garotinha do papai, tão lindinha... Sempre fui, ainda sou e estou cansada de ser. De ser a "filha dele", a "filha dela", sou até a " irmãzinha dos meus irmãos", só não me deixam ser eu mesma. Tiraram de mim as palavras, e até o meu nome (que eu sei que tenho, só não consigo me lembrar qual é). Chata. Grossa. Estúpida. Violenta. Rabugenta. Deve ser um desses, deve ser... Me colocaram no banco de trás do carro do meu pai, apertaram-me o cinto e enfiaram tudo goela adentro, um bando de baboseiras que eu não sou. Disseram que eu tinha que engolir o choro e com ele, aos poucos, fui engolindo a mim mesma, enquanto tudo o que eu queria era o frescor e a leveza que esperavam do lado de lá do vidro, junto às árvores apressadas. Eu me engoli. Calei o que eu pensava, o que eu queria; me calei pra viver o papel que me deram sem chatear ninguém. Eu não aprendi a falar. Eu só aprendi a escrever, minha única liberdade, que agora não me pertence mais por culpa do amor. Eu estou de saco cheio. De saco cheio de tudo, de toda essa bosta de elefante libanês. Não me pergunte o porquê de a bosta ser de elefante ou o porquê de o elefante ser libanês, eu nem sei se existem elefantes no Líbano... tanto faz, a vantagem de ter um lápis e um papel é que você pode escrever a idiotice que te der na telha e, já que eu não posso escrever o que quiser sem parecer uma adolescente ridiculamente apaixonada, é assim que vou conservar minha liberdade, escrevendo bosta de elefante libanês por todos os lados. Enchendo meus textos de bosta de elefante! Não que antes eles fossem bons, mas enfim... Eu nunca tinha escrito sobre mim, não assim, botando pra fora tudo que passa na cabeça. Não faz o meu estilo, nunca quis, acho chato. Mas tudo bem, estou cansada de ser eu. Ou de não ser eu, melhor dizendo, seja "eu" quem for. For... Eu vou. Vou embora. Sim, embora, é a melhor maneira de dizer o que eu sinto. Eu vou embora daqui, é a única explicação que posso dar, não há o que acrescentar, isso é tudo. Não, não estou sendo vaga... Entenda, eu nunca aprendi a falar.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Reticências

Ele sempre começa suas histórias com "então". É como se, por um motivo misterioso qualquer, ele não soubesse dar a elas um início. Sempre parte do que já é, da continuidade, do dito que nunca foi dito, omitindo o engatinhar, o nascer e o renascer. Ele só gosta dos finais.

Ele não sabe começar um texto; eu nunca soube terminar. Tinha o hábito de virar minhas folhas à procura de um fim que (ele nunca entendeu) não precisava existir. Um fim que, inexistente, era um bom fim. Detesto finais desde que os conheci, os felizes e os infelizes, porque nenhum ponto final pode ser feliz - a menos que seja só um ponto.

Ele tem medo dos começos. Eu não suporto os finais. Talvez ele não precise começá-los se eu estiver ao lado. Talvez eu não precise terminá-los se houver um "então". Talvez seja por isso que meus textos andam tão incompletos. Talvez...