quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

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Por três vezes tentei me afogar. Três tentativas desesperadas de que a água que entrava me fizesse transbordar de mim, me livrasse de mim, me libertasse de mim, parasse o que quer que seja que tem feito a maldita voz ecoar mais alto na minha cabeça. Chega de mim para mim. Estou farta de tanto eu, que me ocupa, me desgasta, que não para de pensar nem por um segundo.
Por Deus, alguém me cale! Tirem-me o ar, nem que só por um instante... Deixem-me sem fôlego! Eu quero valer a pena! Façam minguar meus anseios, sumam com a vergonha que tenho de não esquecer (de não te esquecer). Façam com que ele suma. Com que todos sumam. Desapareçam com este escrito e com qualquer outra prova de que não tive sequer a capacidade de me afogar de fato.
Três vezes, todas elas falhas. Fui fraca demais para segurar a respiração até a água entrar; faltou-me a coragem para deixá-la transbordar. Veio só o desespero do emergir, do ar que entra arranhando a garganta ao ponto de sangue. Ao menos assim me calo - se não a cabeça, a boca. Posso fingir, então, que está tudo bem... Camuflar a vergonha e fazer de conta (como eu adoro) que não doeu. Mas doeu, sim, e ainda dói... E continuo em mim, é essa a pior parte. Ainda estou aqui. E não sei como sair.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Laissez Passer

Vou destruir minhas verdades, as inventadas que você tanto odeia. Vou esquecer os risos, os amores não jurados, ficar só com a saudade do que não foi nem poderia ter sido. Nunca pôde. Foi só na fantasia que você existiu e até eu sou irreal. Não existo - é o consolo que a vida me dá nessas histórias. Nada disso é verdade, é tudo invenção minha.

"Você cria umas verdades e começa a acreditar nelas", deixou-se irritar por cima do ombro enquanto me deixava para trás.

Talvez tenha razão: acredito. Acredito em excesso, até. Acredito sem dever acreditar, como acreditei que você daria meia-volta. É que eu tenho essa mania de fingir que sou artista, de fingir que vivo nos meus textos, que os meus personagens são de verdade, que a primeira pessoa sou eu de fato. Acostumei-me a criar sentimentos, escritos ou desenhados. Me acostumei a você.

Perdão, estava mentindo outra vez. Preciso aprender a mudar o ponto de vista, lembrar que a pessoa do discurso não sou eu (nem nunca foi).

Quando se deu conta de que ele não voltaria, bateu a porta. Fez como ele e lhe negou a meia-volta, negou-a a todos. Saiu sem pensar, sem dar a si mesma o direito à dúvida, sem se permitir o tempo dos covardes ou o intervalo no qual eles se formam. Nem mesmo um olhar para trás se permitiu, mais pela vontade de se livrar do peso das memórias que por orgulho. Rumo à ausência da dor e da saudade. Apenas foi. Foi ela, sem ter que se preocupar em ser tudo que já fora um dia. Leveza, mesmo que passageira. A alforria do cativeiro que se impunha. Um, dois, três, quatro, cinco... Andou, andou, e continuou andando... Virando sempre na direção do desconhecido, evitando o familiar, abandonando as memórias. Abandonando-o também, com o perdão da atitude. Com o seu perdão. Abandonando a todos para não sentir as ausências. Fazendo de conta que nunca existiram para que o vazio não fosse sentido. Não fazia sentido. Como se pudesse... Como se pudesse deixar tudo para trás, nunca reviver, nunca relembrar nem pensar em voltar. Como este texto...

Nunca releia, nunca relembre. É seu, para me despedir de você que nunca existiu, para abandonar as fantasias de que me privou. É seu, mas não lembre. Deixe-o passar, deixe-o ir embora... Deixe-o ir como estou fazendo com você.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Semicerrados

Não abro os olhos por completo. Mantenho-os assim, semicerrados, como que para protegê-los do mundo lá fora.
 Como um caminhão pesado em um chão sem asfalto. A poeira subindo e os olhos se fechando, em uma tentativa falha de se resguardarem. Um grão, uma folha, uma pedrinha. Uma criança morrendo. Um velho que vai sem se despedir. Um carro batendo.
E eu? Eu sou sujeito sem verbo. Aquele que vê, sem querer, e a quem cabe o lamento.

O telefone tocou: estava indo embora, já no avião. Disse que voltava logo, mas eu sabia que não. Não quis me ver porque ia doer, mas doeu (em mim). Recebi o adeus com um suspiro e nem pisquei. Enxuguei os olhos e continuei andando, como se nada fosse. Aceitei a dor com naturalidade (foi quando eu soube que tinha perdido). Começava a me acostumar...
 A vida me vencera, afinal.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Pra Mim

Quanto eu vou ter que suar, e tremer, e gelar, para ele entender?
Eu queria saber escrever... Uma poesia assim, de fazer inveja, como as que eu leio e desejo que fossem minhas. Se eu soubesse fazer poesia... Aí, sim! Eu não teria de guardar nada em mim. Não me faltariam as palavras como sempre acontece. Não faltaria a emoção, o sentimento; nada do cansativo explicar minucioso, a poesia é toda intensa e completa, cabe inteira em si mesma. Os versos ficam, as frases se vão. Em vão. O que eu escrevo não adianta, nem pra mim, porque sempre falta o que falar, fica sempre a sensação do inacabado... os meus textos não dizem nada, significam nada, e do peso que eu carrego não me tiram nada também. É só uma tentativa desesperada de diminuir a confusão a ponto de fazê-la caber em uma folha. E nunca cabe. Sou só eu me permitindo ser eu sem que ninguém me veja. Mas se eu fosse poeta seria outra história... ou outra estrofe. A minha poesia lhes tocaria o coração, e eu não teria de jogar fora o tempo tentando pôr em prosa o que só uma boa poesia consegue dizer.

Eu queria que soubesse
(e sabe)
que é por isso
que eu tremo
que eu gelo
e que eu corro
(sem querer)

Do quê? Ainda não sei, eu precisava de uma poesia. Então vou jogando tudo assim, sem sentido, pondo em versos o que não é versável (porque eu nunca soube ser poeta).
E talvez assim, com uma poesia minha, eu consiga... Se eu lhe fizer uma poesia - se eu conseguir fazer uma boa poesia - você volta...? Volta? Você volta... (me faltou a palavra)...

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Bosta de Elefante

Eu não aprendi a falar. Perdão, não aprendi. Quero esclarecer uma coisa: nada do que eu escrevo é sobre amor, nem este texto, nem nenhum dos outros. Não escrevo a dor do amor, a alegria do amor ou o que quer que venha com ele. Odeio a ansiedade de vivê-lo e odeio a mania que as pessoas têm de enxergá-lo em todo canto. Maldita neblina que se apossou da vista de todos, até os textos me roubou. Eu o odeio, o amor. É provável que dizer isso não agrade a vida e eu já estou sinceramente arrependida, mas não sou de mentir, não posso fingir. É fato, eu o odeio. Acabo de descobrir isso e afirmá-lo é como tirar um peso das minhas costas. Vivi até agora suportando sua distante existência, ignorando sua ausência, mas já chega. Talvez seja porque ele deixou que eu me sentisse sozinha, não apareceu ou não foi suficiente, eu continuei só independente dele, mas não importa. Quero ao menos minhas palavras, não peço mais nada. Não preciso de nada além da minha liberdade de escrita, mas acontece que ele distorce tudo que eu rabisco. Ninguém entende o que meus textos dizem e eu não aguento, quero de volta a única coisa sobre a qual eu tenho controle e que o tal amor me roubou, quero minhas palavras, minha liberdade. Eu não sou mais nada. Não aprendi a ser ninguém. Eu sou a menina de cinco anos sentada no banco de trás do carro dos meus pais olhando pela janela, vendo a paisagem passar correndo e ficando enjoada. Ainda sinto a tonteira e o gosto de bílis. Querendo abrir o vidro, sair pela janela, esticar a mão e segurar a paisagem. Fazê-la permanente, fazê-la parar de ir embora, de me deixar sozinha, de me abandonar, eu quero ir com ela. A garotinha do papai, tão lindinha... Sempre fui, ainda sou e estou cansada de ser. De ser a "filha dele", a "filha dela", sou até a " irmãzinha dos meus irmãos", só não me deixam ser eu mesma. Tiraram de mim as palavras, e até o meu nome (que eu sei que tenho, só não consigo me lembrar qual é). Chata. Grossa. Estúpida. Violenta. Rabugenta. Deve ser um desses, deve ser... Me colocaram no banco de trás do carro do meu pai, apertaram-me o cinto e enfiaram tudo goela adentro, um bando de baboseiras que eu não sou. Disseram que eu tinha que engolir o choro e com ele, aos poucos, fui engolindo a mim mesma, enquanto tudo o que eu queria era o frescor e a leveza que esperavam do lado de lá do vidro, junto às árvores apressadas. Eu me engoli. Calei o que eu pensava, o que eu queria; me calei pra viver o papel que me deram sem chatear ninguém. Eu não aprendi a falar. Eu só aprendi a escrever, minha única liberdade, que agora não me pertence mais por culpa do amor. Eu estou de saco cheio. De saco cheio de tudo, de toda essa bosta de elefante libanês. Não me pergunte o porquê de a bosta ser de elefante ou o porquê de o elefante ser libanês, eu nem sei se existem elefantes no Líbano... tanto faz, a vantagem de ter um lápis e um papel é que você pode escrever a idiotice que te der na telha e, já que eu não posso escrever o que quiser sem parecer uma adolescente ridiculamente apaixonada, é assim que vou conservar minha liberdade, escrevendo bosta de elefante libanês por todos os lados. Enchendo meus textos de bosta de elefante! Não que antes eles fossem bons, mas enfim... Eu nunca tinha escrito sobre mim, não assim, botando pra fora tudo que passa na cabeça. Não faz o meu estilo, nunca quis, acho chato. Mas tudo bem, estou cansada de ser eu. Ou de não ser eu, melhor dizendo, seja "eu" quem for. For... Eu vou. Vou embora. Sim, embora, é a melhor maneira de dizer o que eu sinto. Eu vou embora daqui, é a única explicação que posso dar, não há o que acrescentar, isso é tudo. Não, não estou sendo vaga... Entenda, eu nunca aprendi a falar.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Reticências

Ele sempre começa suas histórias com "então". É como se, por um motivo misterioso qualquer, ele não soubesse dar a elas um início. Sempre parte do que já é, da continuidade, do dito que nunca foi dito, omitindo o engatinhar, o nascer e o renascer. Ele só gosta dos finais.

Ele não sabe começar um texto; eu nunca soube terminar. Tinha o hábito de virar minhas folhas à procura de um fim que (ele nunca entendeu) não precisava existir. Um fim que, inexistente, era um bom fim. Detesto finais desde que os conheci, os felizes e os infelizes, porque nenhum ponto final pode ser feliz - a menos que seja só um ponto.

Ele tem medo dos começos. Eu não suporto os finais. Talvez ele não precise começá-los se eu estiver ao lado. Talvez eu não precise terminá-los se houver um "então". Talvez seja por isso que meus textos andam tão incompletos. Talvez...

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Meu Meio-Homem


- Vou tomar como elogio.
- Mas era mesmo, sorriu.

Tinha um encanto visível pelos meus defeitos, "Eu gosto assim", dava de ombros. Penso que se deleitava por sermos tão parecidos e sempre tinha a gentileza de fingir que me ouvia. Me entregara demais, envolvida demais... Era tarde e vergonhoso.

Um meio-sorriso qualquer, um meio-abraço acanhado, um meio-elogio grosseiro, uma meia-grosseria carinhosa.
Eu não podia, nem ele, não com ele, por favor.
Ele me pediu uma coisa; uma coisa só e eu a neguei. Me ajudou tanto e eu lhe neguei o único pedido que já me fez: Eu.

Sempre fora um meio-homem, embora eu não tivesse enxergado. Embora por algum tempo tenha sido o que havia de mais completo e real para mim... segurança, proteção, aceitação, isso ele era por inteiro, e só ele.
Era tudo o que eu queria, cá entre meus lápis e papéis, cá entre meus rascunhos noturnos e meus lençóis. Mas era muito, mesmo que pela metade. Proibido...

Foi a primeira vez que não sorriu e era como se a ausência daquele riso apagasse da minha memória todos os anteriores. Até isso fez questão de levar consigo. Atravessara a porta para Nuncamais e eu tive de vê-lo voltar à vida correta, à mulher que o esperava em casa e que não era eu.

Como pôde? Como eu pude?

Bateu a porta e eu tinha razão, nunca mais voltou. Recolheu seu olhar meio sugestivo, seu meio-amor, suas meias-promessas, suas metades e seus hífens indevidos, e se foi.
Foi...
Como se eu não fosse nada além de uma rosa murcha e sem graça.

- Ana é uma flor, ele disse uma vez.
Uma flor solitária e abandonada. Sem nenhum pequeno príncipe.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Morrer de Amor

Tirei da gaveta e a pus em suas mãos.
- Que isso? - , arregalara os olhos diante do meu 38.
- É meu. Mantive escondido até agora. Guardei a vida inteira, especialmente para esse momento. Era um segredo só meu... agora é nosso. - o silêncio assustado perdurou alguns segundos - Enlouqueceu?
Não, não tinha enlouquecido. Estava tão são quanto era possível - nunca estivera melhor, a bem da verdade.

Amava-a de toda a alma, não só de coração. Amava-a mais do que existia. E se alguma vez eu existira de fato, decerto existira só para amá-la. Mas nem sempre seria assim, o tempo iria desgastar-nos o amor e viraríamos uma memória. Reinaria entre nós a indiferença pós-parasempre como em todos os amores sem fim. Ela não entendia - congelara ali, olhos esbugalhados, 38 na mão.

Botei minha mão na sua, posicionei o revólver, apontei-no para o peito. Sentia o cano gelar através da camisa e a via sofrer com um desespero mudo e paralizado. Fiz o seu dedo puxar o gatilho devagar, saboreando os meus últimos instantes rumo ao eterno.
Ela não entendera. Não entendia. Mas há de perceber, um dia. Há, então, de me amar ainda mais, pois a amei mais que qualquer outro amante. Porque, a partir de agora, meu amor será eterno. Dando-lhe um fim, fiz dele infinito. Morri poeta... Fui pois mais poeta que o maior dos poetas. Houve que fiz da vida poesia em minha morte. Fiz o que tantos outros tentaram...

Viver de amor

Morrer de amor

E, pelo Amor,


BANG!


Morrer

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(e só)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O Canto da Despedida

Desculpe a demora... Acontece que que as coisas em mim estão mudas sem você aqui e, pela primeira vez, eu não gosto do silêncio. O único som que eu ouço é o do violino que não para desde que você se foi - a insistente melodia da saudade.
A "ave-maria" mais bela que já ouvi, uma memória que agora não me abandona um segundo sequer. É só tão difícil organizar os pensamentos pra te dizer o adeus definitivo da maneira que merece...
Lembro de relance, assim mais com o coração que com a cabeça, o modo como meus pés balançavam soltos no assento, com o típico desinteresse das crianças, enquanto no palco você sustentava a sinfonia só nas notas, fazendo a Virgem chorar ao som do seu violino. Flashes do passado, rascunhos de uma memória há muito adormecida em mim que, agora desperta, não ousa cochilar.
Desculpe. Eu já devia ter vindo há muito tempo, mas não quis. Me faltou coragem. Não fui justa, devia ter vindo dizer-lhe meus mais sinceros agradecimentos por ter existido para mim, e agora só o que o atraso me deixa é um monte de pedidos de desculpas.
Desculpe o atraso. Tentei ao máximo adiar a aceitação, a despedida, mas já é hora. Foi um turbilhão de confusão discreta, de dor maquiada, mas já está em tempo de te deixar ir. Será uma vida mais incompleta sem você aqui, mas terei sempre o som do seu violino como um segredo só nosso, que me fará bailar sem ninguém entender. Já está mais que na hora. É que me parecia tão inútil e desrespeitoso preencher de palavras um papel quando você acaba de partir... Agora só me parece desrespeitoso não fazê-lo.
Estou te dando única despedida que eu de fato aprendi: a calada, segredada, só de nós dois.
Foi uma honra ser a sua pequena estrela, e será assim sempre, mas temo termos já que trocar os papéis.
Perdoe a demora. Perdoe a fraqueza. Perdoe a ausência.
Há tanto com o que lhe faltei...
Pendure as dívidas para outra hora, mas o meu amor...
Faça perdurar...

para todo o sempre.