quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Sopro

Seus lábios vivos, bem delineados, vão balbuciando as palavras para ninguém mais ouvir. Eternizam-se todas no silêncio do assobio do vento mudo e vão sendo levadas ao longe, aos becos e recantos das instáveis e inquietas memórias minhas. Sem rumo certo ou lugar de parada, indo só com o sopro do vento. Escrevendo a minha história de nada além do seu sussurro por entre dentes. Teus dentes... Trincados, distantes, agoniantes, trancados para mim.
Tecendo minha vida no estalar da língua, ritmo dos meus passos, embalo da minha dança.
Tuas palavras ao vento mudas vão passando por mim. Me beijando a pele e afagando os cabelos. Fazendo-me bela, me reaconchegando, até o fim do inverno...

Ou até quando a minha imaginação sustentar.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Vou proteger o Teu Nome

Já te sinto mais perto. Os laços se reconstruindo, os remendos se fiando. O riso que já ia se apagando. O som doce que acompanha as piadas sem graça, que terminavam sempre com um comentário malcriado meu e um olhar incrédulo da sua parte. Um olhar longo... Mal sabia que era por ele que eu te contradizia. Era tudo por ele, para ele. Meu único objetivo. 
A maneira como você apoia na parede branca, branda como o balanço dos teus cachos aloirados numa tarde de outono. O jeito particular de posicionar o braço direito, eu adoro. Dá um aperto na garganta, expulsa todo meu ar e me imobiliza... Uma esperança de ouvir de novo a sua voz, de saber como anda a sua vida. Sentir a tua mão na minha nuca e lembrar como me arrepio quando você diz o meu nome - a mais bela música que já inventaram.
O brilho loiro da sua barba por fazer, que te deixa ainda mais lindo, como se isso não fosse possível no dia anterior. 
E os olhos... Ah, os olhos dele!
Olhos tão verdes quanto o verde do mar, que trazem consigo um brilho único resultante de todo sentimento bom que se possa imaginar. 
Olhos cuja definição aproximada só permite dizer: perfeitos. 
Que se renovam a cada instante em uma metamorfose latente, regida pela luz mais intensa do universo depois da que vem dos olhos dele. E em um milésimo de segundo, o verde vivo e profundo é como um diamante, em um brilho quase cinza de uma doçura confortante e sem igual, que emudece todo 
...
e qualquer 
...
pensamento meu.

Meus Heróis não morreram de Overdose

Capacete, escudo, estandarte de ouro. Meus heróis jazem estirados no chão.
Era tudo uma puta ilusão.
Já estavam mortos antes mesmo de eu saber - nem sequer tenham existido, talvez.
O tempo está perdido desde quando eu não me lembro. Encolhida no canto, numa chuva de incertezas, vendo ele sangrar diante do meu altar, de onde caiu de cabeça rumo à mediocridade, rumo à puta que o pariu.
Um último vôo, um último grito. Majestoso!
Meus heróis não morreram de overdose. Antes fosse! 
A drogada era eu, vendo exemplo  em um monte de esterco  onde não havia. Malcriada...
Ele é que devia me admirar! Cansei dessa postura passiva, dependente.

Vou tratar de ser, para os outros, o herói que ninguém soube ser para mim.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Lindos

As palavras são mais belas com você aqui. Os olhos mais ligeiros, o coração mais afobado, os lábios mais entreabertos.
Lindos.
E os teus dedos tocando meus ombros, se arrastando até os meus. Meus braços arrepiados, cada cílio teu contado.
Lindos.
Um beijo na minha fronte, uma lágrima, um adeus.
Uma vontade de gritar - louca, inevitável.

Lindos!

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Eu, antítese de mim

Correr sozinha na praia, tentar alcançar a lua a pé. Os passos rápidos na areia molhada, o som do mar, o vento, a sensação de liberdade... É o mais próximo da felicidade que eu conheço. Eu gosto do frio. Durmo com os pés descobertos e com a cabeça para a janela só para apagar olhando o céu. Sou cheia de gostos e manias. Tenho um altar no meu quarto, sou supersticiosa, saúdo o sol todos os dias. Crio teorias. Sou realista e responsável. Sou fantasiosa. Penso em todas as consequências. Leio histórias infantis. Sou carente, mas exigente. Sou séria. Minhas piadas são uma bosta. Queria ter seis dedos, só para saber como seria. Sou curiosa. Gosto de olhar o nada e tenho a sensação constante de que estou quase descobrindo a solução para a vida. Tenho pensamentos que não são meus e, às vezes, tenho saudade de mim. Eu sou irritada e calma. Perfeccionista e impaciente. Sou tímida, mas tenho todo o amor do mundo.
Eu sou feita de opostos. Uma antítese de mim mesma. Decidida, mutável, indomável. Eu gosto de ser como eu sou. Diferente...
Como todo mundo.

 Eu sou cheia de contradições.

50%

Ele segurava cuidadosamente a xícara entre as duas mãos. Do outro lado da mesinha para dois, ela já bebia o cappuccino à toda enquanto ele ainda resfriava seu chocolate quente (delicadeza demais para o gosto dela).

Ele não era alto nem baixo. Nem feio, nem bonito. Nem gordo, nem magro. A perfeita representação da mediocridade, sem nada que o tornasse interessante à vista. Boa gente, mas sem sal demais para ela, que gostava de tudo que era diferente. E tão certinho...
Ela era mesmo é dos impulsos, do correr na grama molhada, do andar sem rumo, da aversão à mesmice. E ele? Bom, ele era tão "ele" que não se permitia ser mais nada, ainda que tivesse vontade.

Uma gota do chocolate respingou no dedo dele, que apanhou um guardanapo e o limpou devagar. Ela o teria lambido, certamente...
Ele puxou um assunto qualquer, sobre um livro qualquer. Queria agradá-la, assumida amante das livrarias.
Fez-lhe cortejos tímidos, uma piadinha nem engraçada nem de todo sem graça... Ela riu.

Ele era discreto, sem traços marcantes que a fizessem querer desenhá-lo. Uma estrela apagada... Uma lâmpada fraca... Um short de ficar em casa. Ele era 50%. Um meio-termo exato. Um mais ou menos. Uma folha de alface: nem bom, nem ruim.
Ela era tudo ao extremo. Era o próprio extremo.
Tocou os lábios nos dele devagar.

Ele era o equilíbrio de que ela precisava.

Cai em pé e Corre deitado

A chuva é o melhor dos confortos. Pode ser fraca ou forte, fina ou temporal, mas sempre cai pra todo mundo. Só na chuva eu me sinto igual, nem melhor, nem pior, que ninguém. Independente dos problemas, das bênçãos... Independente de quem você é, é impossível não se molhar. O rosto, os óculos, o cabelo, a barra da calça, tudo fica mais natural quando chove. Pensar que todos estão se molhando, que eu não sou o único e, pela primeira vez, ter certeza disso, é mágico. Os pensamentos somem, a dor nos ombros, as frustrações. No instante em que os primeiros pingos - gelados, puros - tocam a face e vão discretos se esconder por sob as roupas, tudo some. O narrador insistente dentro de mim perde a voz. Eu simplesmente sou. Estou. Eu sou mais eu quando não sou mais nada. A reconfortante sensação de estar só por dentro, mas se sentir mais que nunca ligado a todos por aquela mesma chuva que cai nos distantes, nos esquecidos e nos que esqueceram. A perspectiva de olhar para o alto e ver a chuva caindo, vindo em minha direção, me encanta. Uma folga de ter que ser sempre o que corre atrás de tudo, dos sonhos, das ambições...

O céu é um turvo de sentimentos e percepções e, só dessa vez, eu não quero saber o que se esconde atrás.